Pack the Esentials é uma organização não governamental sem fins lucrativos (ONG) com base em Siem Riep, no Cambodja, que se dedica a fornecer refeições nutritivas, ensino da Língua Inglesa e acesso a água potável e primeiros socorros a crianças e às suas famílias. Esta ONG desempenha um papel fundamental nesta comunidade, e o seu trabalho deve ser louvado e divulgado. Falei com Tine Bols, uma das fundadoras. Como foi criada a Pack the Essentials?
Sou da Bélgica e estava a fazer voluntariado como professora de Inglês numa organização em Siem Reap, juntamente com três voluntários de longa duração – Paul Burgum, da Austrália, Michael Myrseth, da Suécia, e Luís Sanches, de Portugal. Percebemos que os alunos não se conseguiam concentrar, que adoeciam frequentemente, ou que não tinham energia para todo o dia, porque não comiam o suficiente ou porque comiam sempre os mesmos alimentos (arroz branco ou noodles). Faltam-lhes nutrientes essenciais para um correcto desenvolvimento físico e cognitivo. Uma vez que já tínhamos as crianças reunidas, na escola, lembrámo-nos de lhes oferecer comida saudável. Então, começámos a cozinhar. Algumas semanas depois, tivémos de deixar aquele local, mas encontrámos outro, na escola ABC and Rice. Por que decidiram estabelecer-se no Cambodja (especificamente, em Siem Reap)? Inicialmente, fui para Siem Reap para fazer voluntariado durante quatro meses e também para viajar pelo Sudoeste Asiático. Eu e o Paul ficámos muito ligados às crianças (os nossos alunos) e decidimos prolongar os nossos vistos. Passaram dois anos e ainda cá estamos. Siem Reap é confortável. A nossa interacção diária com as comunidades torna o nosso trabalho interessante, e a boa comida e as piscinas facilitam a descontracção no final de um dia complicado. Como funciona a vossa ONG? Têm algum tipo de acordo com fornecedores (de água e de comida)? Contratámos uma cozinheira khmer, há cerca de seis meses. De manhã, faz as compras no mercado local e prepara os almoços na escola (ABC and Rice). Por vezes, providenciamos entregas de alimentos por parte de um distribuidor que os compra localmente. Alguns dos legumes e o peixe são fornecidos pela quinta pertencente à escola. Esta ONG depende, apenas, de doações ou como fazem para a manter? Todos nós cedemos o nosso tempo voluntariamente, mas o projecto depende de doações individuais e da boa vontade de pessoas para que possamos comprar produtos locais e pagar um salário fixo à cozinheira. Com 30 USD (dólares) conseguimos preparar refeições para 160 alunos e pagar o dia da cozinheira. Todas as refeições incluem: peixe, frango ou carne de porco e, naturalmente, uma grande quantidade de legumes, como cebola, batata, abóbora, feijão verde ou espinafres. É fácil trabalhar no Cambodja? As autoridades cooperam com ONG estrangeiras? Em algumas coisas, é mais fácil, uma vez que há menos burocracia. Por vezes, o governo local e as ONG trabalham bem em conjunto, outras vezes, têm objetivos diferentes e chocam um pouco. O nosso projecto ainda é muito pequeno e ainda não tivemos de lidar demasiado com as autoridades. Quais são as maiores dificuldades na implementação dos vossos objectivos e como poderiam ser suprimidas? Inicialmente, era difícil perceber quais as organizações com que poderíamos trabalhar. Já experienciámos corrupção em primeira mão, e esta existe por todo o Cambodja. Por este motivo, fomos cautelosos na selecção das ONGs com quem queríamos trabalhar. A ABC and Rice apoia verdadeiramente as crianças do Cambodja e as suas famílias. Quando nos reunimos com a Tammy, directora da escola, ela chegou de bicicleta, usando roupa esburacada e falou dos alunos como se fossem seus filhos. A escola é a sua paixão e o seu sonho, não apenas um negócio. Noutros locais, vimos iPhones e iPads em escritórios, mas a escola não tinha quaisquer recursos de ensino. Ou, então, a escola alega ter ajudado uma aldeia, fornecendo alimentos, assistência médica e instalando bombas de água, e mostra tabelas e números, mas quando lhe são pedidas fotografias, não conseguem responder. Ou, ainda, os alunos têm de pagar a escola ou os professores em segredo, apesar de a organização declarar claramente que providenciam educação gratuita. Na ABC and Rice, e noutras ONG devidamente geridas em Siem Reap, o dinheiro destina-se, sem qualquer dúvida, às crianças. Elas estão felizes, alimentadas, as suas famílias estão alimentadas, vão ao dentista, brincam com as recém-doadas bolas de basket… são amadas e cuidadas, porque as pessoas que cuidam delas se empenham, realmente. É difícil conhecer a integridade de uma organização à distância. A melhor forma de contribuir para as organizações certas é informarmo-nos, pesquisar, conversar com as pessoas. Mudaste completamente a tua vida, ao estabeleceres a vossa ONG no Cambodja? Sim, completamente. E o Paul também. Vim para um país que não conhecia. Nunca tinha estado na Ásia. A vida aqui é diferente. O clima é quente, quente, quente e o ritmo dos dias é baseado nisso: é irritante estar constantemente a transpirar! A cultura é diferente, as pessoas são mais fechadas (do que na Bélgica), não dizem o que pensam, ficam na defensiva, por isso, a comunicação é diferente. Além disso, pela primeira vez na vida, eu estava a viver num país em que não compreendia a língua: khmer é completamente diferente. E estou apenas a referir-me à conversação, ainda não experimentei ler ou escrever! Começarei, em breve, um emprego remunerado aqui, em Siem Reap, uma vez que o projecto já não requer tanto a nossa presença. Contratámos e demos formação a algumas pessoas locais e ficaremos apenas responsáveis pela angariação de fundos e trabalho administrativo. É assim que deve ser, queremos que o projecto continue a funcionar depois de deixarmos o Cambodja. Em que medida a Pack the Essentials afectará as gerações futuras no Cambodja? O nosso projecto alimentar beneficia indirectamente os níveis escolares dos alunos. Uma alimentação correcta beneficia o desenvolvimento físico e cognitivo. A educação está sempre limitada pelo grau de desenvolvimento do cérebro. Por isso, a longo prazo, este projecto beneficiará a sua capacidade cognitiva e as suas escolhas relativamente à educação superior ou vocacional, e também às oportunidades de emprego. O conhecimento nutricional e da importância de uma alimentação saudável melhorará a sua alimentação e espero que possam passar essa informação às suas famílias. O que te motiva? A resiliência das crianças do Cambodja, os seus sorrisos, a sua forma engraçada de dizer «eloow» quando passamos de bicicleta, e o facto de eu não conseguir imaginar ficar um dia sem comer. Hoje em dia (2018), além dos almoços, esta ONG prepara também todos os pequenos-almoços dos alunos, seis dias por semana. Mais informação: www.packtheessentials.org https://www.facebook.com/packtheessentials/ Comments are closed.
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