«Para mim, os grandes desafios de Portugal continuam a ser as mentalidades, a dificuldade de trabalharmos todos em conjunto e o “não” é ainda uma palavra que é difícil dizer.» Ana Ventura Miranda, EUA / Portugal Deixou Portugal em 2007. Consigo, levou percepções, audácia e a vontade de explorar caminhos. Com Portugal a nascente, estabeleceu-se em Nova Iorque e ousou materializar a ideia que se formava, fruto da sua paixão pela arte e cultura portuguesas.
Ana Ventura Miranda fundou, em 2011, o Arte Institute — organização sem fins lucrativos, cujo objectivo é divulgar a arte contemporânea portuguesa. É uma visionária com elevada aptidão para a concretização das ideias que muitos descartam e classificam de inviável, inexequível ou, até, de impossível. Fez uso da bravura e da sagacidade que a caraterizam para alicerçar esta plataforma global, que já levou o país e muitos dos seus artistas a todos os continentes, e para a dinamizar e enriquecer. O Arte Institute, através da Ana Ventura Miranda, é veículo de aproximação de pessoas e, portanto, propulsor de futuros esclarecidos e harmoniosos. Portugal é demasiado pequeno para acomodar a miríade de expressões artísticas dos seus ou são pequenas as mentes tecnocratas que o gerem? (E estas razões pesaram na tua decisão de ir viver para os EUA?) Para mim, os grandes desafios de Portugal continuam a ser as mentalidades, a dificuldade de trabalharmos todos em conjunto e o «não» é ainda uma palavra que é difícil dizer. E sim, estas razões foram exactamente as que me levaram a sair do país. Eu sentia que podia fazer mais, sonhar mais alto e as respostas eram sempre no sentido de ser impossível e de nunca ter sido feito, logo, não podia ser. Em termos de talento, qualidade, poder de encaixe e plasticidade cerebral somos um povo que não ficamos atrás de ninguém, e trabalhar nos EUA só veio confirmar isso mesmo. Temos tudo o que precisaríamos para liderar muitas áreas e temas, mas falta quase sempre a estratégia e a humildade de saber que somos só uma peça numa equipa. Já começa a mudar em alguns sectores, mas há ainda muito trabalho a fazer. Nova Iorque congrega um elevado número de indivíduos oriundos de vários lugares do planeta. Como é a sua coexistência? E como se caracteriza essa comunidade multicultural? Ser-se nova-iorquino é isso mesmo: fazer parte dessa massa multicultural que gera uma energia muito característica, que move montanhas e torna sonhos realidade. Ser-se nova-iorquino é saber que hoje caímos, mas amanhã já estamos de pé e mais fortes. Viver do outro lado do Atlântico foi decisivo para a criação do Arte Institute? Sim, sem dúvida e por vários motivos. Foi o facto de viver em Nova Iorque que me fez perceber o tanto de potencial e talento que temos; como havia um desconhecimento profundo sobre o nosso país, cultura e artes; e que me levou a fazer o meu melhor e a minha parte como cidadã. O Arte Institute nasce dessa vontade de mostrar Portugal e os seus artistas, de dar o meu contributo e de provar ao país que temos qualidade e potencial para estarmos onde quisermos e entre os melhores. Promover a arte contemporânea portuguesa no mundo é, também, fomentar o diálogo (artístico e global), criar elos entre comunidades, aproximar pessoas e incentivar o entendimento. De que maneira tens conseguido esta proeza? Com muita imaginação, trabalho e determinação. Continuamos ainda a ser um país onde «o talento é incómodo» (como ouvi, uma vez, a Simone de Oliveira dizer). Então, quando o talento, o trabalho, a determinação e a coragem provam aquilo que tantas vezes nos disseram a todos que era impossível, a questão complica-se muito mais. É um feito único na história do país, uma iniciativa da sociedade civil como é o Arte Institute, ter conseguido com o investimento que recebe fazer cerca de 125 eventos por ano, já ter passado por todos os continentes, 33 países e 82 cidades, mas quantos mais anos passam, parece-me que a grande vitória é não termos desistido contra todas as probabilidades. E continuamos, a prova é que preparamos agora uma nova iniciativa em Portugal — RHI (Revolution, Hope, Imagination) - que se inicia em Setembro de 2019. No entanto, continuamos, oito anos depois, a esbarrar com os mesmos desafios e mentalidades pouco audaciosas. Esta iniciativa que tem como objectivo promover Portugal como um destino cultural turístico e criar um novo diálogo entre arte e negócio, é o passo seguinte na missão do Arte Institute . No fundo, ajudamos a internacionalizar por todo o mundo e agora trazemos de volta o que aprendemos nessa jornada. O Arte Institute marca presença regular em todos os continentes. Como é recebido, e os objectos artísticos que apresenta, nos diferentes países? É recebido muito bem e às vezes com surpresa porque algum público ainda não tem ideia nenhuma da cultura portuguesa além do Fado, e isso acaba por ser uma boa experiência e a nosso favor. Temos muito talento em todas as áreas e continua a ser um grande orgulho para nós poder levar estes artistas, músicos, bailarinos e realizadores pelo mundo fora. Foste galardoada com o Prémio Dona Antónia Adelaide Ferreira e o Prémio Liderança nas Artes, da Palcus, e fazes parte do Conselho da Diáspora Portuguesa. És mulher visionária e empreendedora. Há, hoje em dia, mais mulheres artistas com obra divulgada? Falta muito, em Portugal, para um equilíbrio de género na produção de arte? Infelizmente ainda me dizem sempre que sou muito energética, como se fosse a energia o motor de todo este trabalho. É a paixão e um acreditar muito, mas é também a visão e o conseguir encontrar caminhos que não estão à vista. Até ao dia de hoje, tenho sempre ouvido o adjectivo «energética» para mulheres, acho que talvez inconscientemente e, nesse sentido, ainda há muito trabalho a fazer e não só na arte. No entanto, não gosto muito de fazer distinção de géneros até porque foram quase sempre homens que compreenderam o que estava a tentar fazer e acho que as mulheres ainda têm que se organizar melhor no apoio umas às outras. O tempo é aliado do acto de criação, todavia, poucos são os artistas livres de exercer outras actividades remuneradas, que não a sua arte. Como evitar que, num desfecho indesejável, a produção artística cesse e, com ela, a esperança, o pensamento crítico, talvez a alegria e, no limite, a liberdade? Para mim o mais importante é encontrar-se alternativas e modelos de negócio que sustentem a actividade artística e cultural. É o que estamos a tentar fazer com a iniciativa que falei acima e tentar aproximar a arte e o negócio, para que os fundos passem a ter apenas um papel de apoio ou de ajuda a escalar projectos. Aqui há um trabalho muito importante a ser desenvolvido pelos artistas e na forma como se posicionam. Por vezes, ainda é difícil encararmos a nossa profissão e o nosso nicho como uma área de negócio como as outras. Essa percepção tem de, primeiro, mudar em nós para que depois se chegue a toda a sociedade e às suas estruturas. Como se mudam mentalidades para que, por um lado, cultura e arte sejam plenamente acessíveis e, por outro, a comunidade tenha interesse em conhecê-las e experienciá-las? A meu ver começa tudo na educação e nas escolas. As crianças, desde pequenas, deviam ser expostas ao maior número de actividades culturais possíveis. Isso fará com que passem a ser público desde sempre e que sejam «consumidores» regulares de cultura. No entanto, com os actuais desafios no sistema de ensino, é complicado criar as condições necessárias para implementar uma estratégia a este nível. Mesmo assim, tenho esperança de que um dia ainda seja possível ... e basta um professor para fazer toda a diferença num pequeno ser humano em desenvolvimento. Voltar para Portugal é preciso? É preciso, mas também é preciso que o país aprenda a saber o que fazer connosco. Muitas vezes, vêm na nossa direcção pedindo colaboração e nós estamos sempre disponíveis. Mas quando chegamos com tudo pronto, parece que viramos uma ameaça ou preferem que façamos menos. Essa é sempre a parte mais dura deste trabalho. É vermos que o país está a um passo de alguma coisa extraordinária, que era tão mais fácil do que parecia e que se podem mudar pequenas coisas e ter tanto impacto, mas ainda há muitos egos e o não fazer nem querer que outros façam, como se estivéssemos em competição. Não estamos, não há várias quintinhas, só existe uma que se chama Portugal. Que ideias te acossam, enquanto produtora e realizadora? As mesmas de antes: mentalidades pequeninas e corações fora do sítio certo. E quais as que te libertam? Continuar a sonhar e a lutar por um País que, dentro de mim, tenho a certeza que merece mais! Mais informações: www.arteinstitute.org facebook.com/ArteInstitute instagram.com/arteinstitute Comments are closed.
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